domingo, 25 de abril de 2021

O rei e a flor

Amarelo em pétala 


Raio em molécula 


Constitui-se a coroa do astro 


O rei sem mastro 


Maestro, mestre


Cresce do chão, 


Nasce silvestre 


De flora em flor


Gêmea, Fêmea, in natura


Efêmera, pura 


Decaída, aspira


Entumece e gira


Em direção ao que gira


O andarilho 


Detentor de todo brilho


De toda a vida 


Aos poucos absorvida


Nas cutículas, em gotículas 


O orvalho embebe


Sob esferas cristalinas 


Prevê-se a sorte, o futuro


De quem sobrevive ao escuro 


Irresoluto, inevitável e duro 


Na mira da alva e impiedosa amante nua


Que seduz diante do espelho


Altiva e crua 


No palco de seu protagonismo 


À luz do mistério, inebria o egoísmo 


E a plateia é muda


A ave no entanto


Anuncia no canto


O retorno do rei em sua aurora


E a flor que na dor de outrora 


Ansiava tão esperada hora 


O calor era amor 


Ainda que irradiado à distância 


Entre polares estâncias 


O verde, no que diz-se esperança 


No caule e na folha eram cor 


Eram um, do nascer ao pôr


quarta-feira, 14 de abril de 2021

Abrigo sem teto


Como eu pude falar sobre amor? Sobretudo o prepotente ato inocente, de definir o que se sente, emprestando o significado do que não consente, àquilo que talvez descende, mas não é. Agora que é, a língua me empresta todas as palavras, a música me empresta todas as notas e suas oitavas, e tudo que eu imaginava, não me socorre a compor um nada sequer. Como pode o tudo, estar contido em nada e diante do nada, querer tudo que está contido, contigo? 

O amor, às vezes, me parece um abrigo sem teto. Cerca-te de afeto e confia no telhado de estrelas, e na água da intensidade que te inunda em chuva, no calor febril da falta que grita miúda, no frio do indiferente trato que gela a alma, na brisa sem calma e daninha, que vem da janela sem vidro, invadindo as narinas, coagindo um expiro pesado de saudade. Independente da idade dos dias, e do relógio na parede que marca a eternidade, o resistente retrato ao lado, que contém aquele rosto imaculado, lembra o desgosto da vida ausente daquela presença. Parece ofença ao Criador, eu sei, mas disso eu tenho licença, pois, é tino de quem foi contido e jamais voltará a ser. Se antes o amor parecia-me belo, nos olhos ilusionados em busca incessante de atributos, o bruto é a una certeza, que brota tudo que me compõe. A esperança às vezes é guarda-chuva, às vezes cobertor, às vezes vela acesa, às vezes esqueço onde guardei, mas há certeza, de que está em algum lugar, pois, eu não saí, não há outro lugar. Por isso, "Seu Arquiteto", eu entendo porque não tem teto e não há outro lugar, em que eu quisesse estar. Suas linhas tortas, sobre as minhas, pra dizer algo sobre "abrigo", soava inimigo e hoje nem sei o que falar.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Complexo

Tristeza cabe no peito? Chorar é defeito? Ser, humano, é nocivo, descabido e sem jeito diante de um planeta absolutamente perfeito. Observar a harmonia de tudo a sua volta e notar que não há harmonia dentro. É tudo irresoluto em meio a natureza macro simplória que parte de um universo micro e complexo. É universo dentro de universo de maneira infinita que conversam. Universos que de tão macros e micros, fogem aos olhos parecendo não existirem, e então eles não existem, mas existem dislexos. A vida não exige compreensão e o raciocínio é uma maldição, uma mesquinhez. A lógica uma insensatez. Que inveja dos bichos que dormem sem se preocupar com o amanha, que não guardam rancor, que louvam a vida sem a frustração de não ser importante. Que não possuem bens, nem amarras, numa migração pela contemplação do desconhecido constante. Que celebram cada dia de vida em silêncio. Que sabem sentir, sem que isso vire necessariamente um complexo incessante.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Nem eu

E quando vc comemora um ano de longo aprendizado sobre os próprios limites, enfrentando o medo de encarar cada monstro de frente, ouvindo sua respiração, onde cada suspiro te faz estremecer de desespero, de angustia, de raiva e de solidão. Quando você acha que já encarou todos, um exercito surge no horizonte, onde nada acaba e tudo recomeça. Você já não sabe se tem força, se lhe resta alguma coragem, as lágrimas teimam em cair dos olhos como se já não tivessem caído, e caem, pela repetição incompreendida e imposta. De todos os monstros que enfrentei, o que mais temo é o limite. Eu quero ser forte pra agüentar tudo, mas não sou forte pra dizer que não agüento mais. Embora eu tente ignorar a insensibilidade, ignorar que eu preciso da gentileza, da atenção e do esforço, só porque minha luta é muita e ninguém vê. Talvez nem eu veja que luto por nada. 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Anorexia

A dor é como se fosse algo essencial. Mas o que me é essencial e me nutre é algo que ignoro. A caminhada solitária de amanha me parece a única saída pra sobrevivência, mas é como se não me importasse viver. É olhar no espelho e enxergar-me gorda de tristeza. A magreza de não se ter nada nas mãos me parece mais aparentável. Então eu paro de comer a esperança que tanto me engorda. Me mantenho magra e vazia até não existir. Eu tento lutar com as forças que não tenho, mas tudo é tão impossível. Impossível ser quem eu era. Olho no espelho e continuo me achando obesa de descrença e no meu prato opto pelo nada com sal e pimenta à vontade, de preferencia nos olhos, acompanhado com o refresco de alguém. Uma eterna briga com o espelho que tenho, um reflexo de mim que não gosto, mas amo a ponto de não romper com a vida. Com a nossa vida. Uma vida sem o espelho é estranho. Estranho não se ver todos os dias. Se ver e não se reconhecer é estranho. É tudo muito estranho. Eu sofro de anorexia de amor.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Espelho

O amor esperado por toda uma vida poderia me aguardar num esquina, num botequim, numa estação, mas me apareceu diante do espelho. Não era exatamente a minha imagem. Eu era em outro alguém. Era o mesmo que me ver, embora não houvesse qualquer semelhança. Como em sonhos sem cabeça nem pé, em que se é, sem qualquer dúvida, o que não é. Era espanto, era também encanto, era pra ser. O encontro de dois espelhos que se refratam num complexo de reflexões gêmeas. Quando há luz, é um bate e rebate infinito. Mas se há sombra, é tudo o que somos, numa de dança de breus contidos, um pouco mais a vontade. Nessa escuridão muito se revela, como imagens em papel fotográfico. Reflexos de alma e retina, num click de segundo contendo eternidade. Almas gêmeas? Além. Gêmeos "inindênticos" em uníssono. O espelho reflete sempre aquilo que é, e é por isso que me antecipo sem refletir. É amor em todo o seu reflexo.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Carnavalha

É uma felicidade triste. Estar entre mil maravilhas, na terra de todas elas, como se a alegria circundasse plastificada, compondo máscaras e adereços que adornam tristezas constantes por instantes febris de exaltação forçada, atribuída como se indispensável a sobrevivência aos vindouros dias que sucedem as cinzas. Tenho tolerado o plástico, como se aqui a tristeza circundasse sem conseguir tocar minha alegria, onde sobrevivo em terra de maravilhas até que a exaltação se acabe, as máscaras caiam e os adornos se esparramem pelo chão, restando o silêncio depressivo de quem retorna ao som da bateria de relógios que despertarão obrigação. Resta ainda minha alegria contida, que anseia o abandono aos encantos mil, pelo real que me aguarda, a felicidade feliz em terra cinzenta, com toda a sua redundância.