quarta-feira, 14 de abril de 2021

Abrigo sem teto


Como eu pude falar sobre amor? Sobretudo o prepotente ato inocente, de definir o que se sente, emprestando o significado do que não consente, àquilo que talvez descende, mas não é. Agora que é, a língua me empresta todas as palavras, a música me empresta todas as notas e suas oitavas, e tudo que eu imaginava, não me socorre a compor um nada sequer. Como pode o tudo, estar contido em nada e diante do nada, querer tudo que está contido, contigo? 

O amor, às vezes, me parece um abrigo sem teto. Cerca-te de afeto e confia no telhado de estrelas, e na água da intensidade que te inunda em chuva, no calor febril da falta que grita miúda, no frio do indiferente trato que gela a alma, na brisa sem calma e daninha, que vem da janela sem vidro, invadindo as narinas, coagindo um expiro pesado de saudade. Independente da idade dos dias, e do relógio na parede que marca a eternidade, o resistente retrato ao lado, que contém aquele rosto imaculado, lembra o desgosto da vida ausente daquela presença. Parece ofença ao Criador, eu sei, mas disso eu tenho licença, pois, é tino de quem foi contido e jamais voltará a ser. Se antes o amor parecia-me belo, nos olhos ilusionados em busca incessante de atributos, o bruto é a una certeza, que brota tudo que me compõe. A esperança às vezes é guarda-chuva, às vezes cobertor, às vezes vela acesa, às vezes esqueço onde guardei, mas há certeza, de que está em algum lugar, pois, eu não saí, não há outro lugar. Por isso, "Seu Arquiteto", eu entendo porque não tem teto e não há outro lugar, em que eu quisesse estar. Suas linhas tortas, sobre as minhas, pra dizer algo sobre "abrigo", soava inimigo e hoje nem sei o que falar.

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